Natalense

13 novembro 2004

DO DIREITO À PREGUIÇA

É um texto longo, mas interessante. Se voce faz muitas horas extras, pense nisso!!!


Antônio Cavalcante da Costa Neto Juiz do Trabalho da 13a Região

I. O ócio divino
Livro do Gênesis. Adão e Eva criados. Sétimo dia de um universo novinho em folha. Depoimentos fidedignos sobre aqueles acontecimentos informam:
"Assim foram concluídos o céu e a terra, com todo o seu exército. Deus concluiu no sétimo dia a obra que fizera e no sétimo dia descansou, depois de toda a obra que fizera. Deus abençoou o sétimo dia e o santificou, pois nele descansou depois de toda a sua obra de criação."(1)
Comentaristas abalizados nos alertam que o trecho acima citado faz parte de um Manuscrito em que foi utilizada uma forma de saber incipiente e que não faz sentido a sua leitura com os olhos da nossa ciência, metodologicamente condenada ao ateísmo. Mas nem por isso deve ser tido como uma fábula. Pelo contrário. "É preciso ler nesta narrativa, uma forma que traz a marca de sua época, um ensinamento revelado, de valor permanente, sobre Deus, único, transcendente, anterior ao mundo, criador."(2)
Reflitamos, pois, sobre esse ensinamento revelado.
De fato, supor que Deus precisasse repousar, depois de seis dias de trabalho duro, é admitir que Ele estava sujeito à fadiga, idéia incompatível com a de um Ser Onipotente que nem precisa dormir. Mas se não precisava, por que então descansou?
Para dar o exemplo! Esta é resposta plausível. A propósito, esse foi um recurso pedagógico utilizado também por Seu Filho que, mesmo sem ter necessidade, fez questão de ser batizado, o que, a princípio, deixou o ministro do batismo meio sem jeito.(3)
Para o homem, porém, o descanso não é apenas um bom exemplo a ser seguido. É necessidade imperiosa do corpo. O ócio é tão importante quanto o trabalho, o que parece evidente. Só que as instituições humanas, a quem compete gerenciar as relações das criaturas de Deus na Terra, insistem em desafiar o óbvio: trabalho e ócio não são eqüitativamente partilhados e ainda existe um notório descaso quanto à efetiva garantia do direito ao descanso.
Muito há para se dizer sobre o assunto. Todavia, nos limites deste artigo, restrinjo-me a três rápidas pinceladas: as horas extras habituais, o trabalho nos dias de repouso, e o lazer como direito social. E o faço muito mais com o intuito de incitar o debate que de doutrinação, pois não ouso me considerar um erudito na matéria. E nem pense que isso é falsa modéstia. É defesa prévia mesmo.

II. Hora extra habitual: a institucionalização da excrescência.
Que o trabalho, mais do que um direito, é uma necessidade, disso quase ninguém duvida. Trabalhar para viver - esta ainda é a regra. Costuma-se dizer até que a dignidade humana depende em muito do trabalho. Mas ninguém vive para trabalhar. Para tudo há um limite, sendo sintomático como as primeiras grandes lutas do proletariado contra a exploração do trabalho tinham como objetivo a fixação de uma jornada compatível com uma existência digna.(4)
A necessidade de limitação da jornada - ensina Arnaldo Süssekind,(5) funda-se em exigências de ordem biológica, social e econômica, pois tem como objetivo não apenas o combate aos problemas decorrentes da fadiga, mas visa também a possibilitar ao trabalhador um saudável convívio familiar e comunitário, sendo ainda um importante instrumento de combate ao desemprego e de melhoria da produtividade. Daí a importância que deve ser conferida a essa questão, como já observava Evaristo de Moraes no alvorecer do século:
"Na regulamentação do trabalho não há questão mais intimamente ligada aos interesses vitais da criatura humana do que a que diz respeito ao tempo ou duração da atividade profissional. Para resolver o problema, adotou uma escola socialista a teoria chamada dos três-oito, segundo a qual a duração do trabalho deve ser limitada a uma terça parte do dia (oito horas). Qualquer que seja a opinião que se possa manter diante dessa aspiração doutrinária, é incontestável a necessidade de se modificarem as condições atuais do trabalho assalariado, que traduzem não só indiferença criminosa, como lamentável ignorância das leis naturais que regem o esforço humano".(6)
A bem da verdade, mesmo a teoria dos três-oito não consegue respeitar as leis naturais que regem o esforço humano. Muito provavelmente apenas nas sociedades ditas primitivas ou num trabalho rural mais rudimentar, torna-se possível um maior respeito ao tempo natural do ser humano, tendo em vista que não existe nesses casos um corte abrupto entre o tempo do trabalho e o do lazer, como nos informa a antropóloga Alcida Rita Ramos, ao tratar das sociedades indígenas:
"Sendo tão intrincadamente ligado a assuntos não-econômicos, o trabalho em sociedades indígenas não representa, estritamente falando, o lado oposto, a contrapartida do lazer. O sistema de produção é organizado de tal maneira que permite a quem produz a liberdade de manifestar convivilidade (sic), tendências estéticas, gratificação física ou o que quer que esteja envolvido em atividades de lazer, isso no processo mesmo de produzir. Assim como não existe uma divisão social entre classe ociosa e classe trabalhadora, também não existe uma divisão temporal entre tempo produtivo (trabalho) e tempo recreativo (lazer)".(7)
Há de se convir, porém, que o direito do trabalho é filho da industrialização e esta, juntamente com a urbanização, acelerou a ruptura com esse tempo natural, engendrando um tempo artificial destinado à produção.
Mas que se há de fazer? Se o trabalho do homem civilizado foi condenado à tirania do relógio de ponto, que este, pelo menos, seja regido por uma norma razoavelmente respeitadora das necessidades humanas. E o sistema do três-oito parece aceitável. Veja bem: das vinte e quatro horas do dia, um terço para trabalhar, outro para dormir, e o remanescente para o que nos reserva o cotidiano: refeições, higiene pessoal, a conversa com os filhos, o beijo na esposa... Desse modo, apesar de artificial, tudo leva a crer que é justa a tripartição da rotina do trabalhador.
Ou seria melhor oferecer o sono em holocausto à produção? Por outro lado, será que o convívio familiar e o descanso são mesmo artigos de primeira necessidade?
- Sim! insinua a Constituição Federal, que acolhe o três-oito como regra geral para a jornada máxima diária e estabelece a semanal em quarenta e quatro horas.(8) Ao mesmo tempo, dispõe que a educação para a cidadania e o convívio familiar são autênticos direitos-deveres da família.(9) Assim sendo, é no mínimo recomendável destinar-se um tempinho para que mesmo quem trabalhe possa exercer essas funções imprescindíveis para a construção de uma sociedade decente. E não se pode esperar que a educação familiar seja atribuição de desocupados. Que exemplo estes teriam para dar a sua família, haja vista que a própria ordem jurídica tacha de vagabundo o pobre que, sendo válido para o trabalho, entrega-se habitualmente à ociosidade...(10)
Do que foi dito até agora conclui-se que um minuto sequer que ultrapasse o limite da jornada máxima permitida por lei deve ser encarado como prejudicial não somente à saúde física e mental do trabalhador, mas também ao equilíbrio de uma sociedade que se quer justa e fraterna e que, ainda por cima, decidiu submeter os fundamentos da sua ordem jurídica às bênçãos de Deus (11)- Aquele mesmo que descansou no sétimo dia. Por isso é que a conseqüência desejável pelo trabalho em horas extraordinárias não é o pagamento de uma remuneração adicional. Este é apenas um mal necessário, e como tal deve ser encarado, pois não há dinheiro que faça recuperar o tempo de descanso ou de convívio familiar perdido pelo trabalhador. Faz sentido, portanto, a restrição da lei para o trabalho em horas extras,(12) que só deve ser tolerado excepcionalissimamente - com licença do palavrão quase do tamanho de inconstitucionalissimamente, mas a intenção é mesmo chamar a atenção.
A prática, contudo, acintosamente tem contrariado o preceito. E o abuso deu à luz a excrescência: sorrateiramente institucionalizou-se um paradoxo - a tal hora extra habitual.
Qual foi, então, a reação dos que têm o encargo de fazer valer a força da lei? De certa forma, tiveram que engolir o monstrengo, quando cuidaram de incluir as horas extras habituais no cômputo de todas as verbas trabalhistas.(13) É certo que esse paliativo torna menos doloroso o jugo do trabalhador espoliado. Mas não deve ser o bastante para espantar nossa perplexidade e sufocar nossa indignação. Afinal de contas, extra é extra; habitual, habitual.

III. Do Terceiro Mandamento...
Como se não bastasse o próprio exemplo, o Todo-Poderoso, no Decálogo, (14) ordenou que se santificasse o Sétimo Dia. O exemplo virou norma, que foi aspergida pelos quatro cantos do mundo, respingando em nossa ordem constitucional.(15)
Não é difícil entender a preferência da lei pelo descanso no dia do Senhor. O domingo é um dia especial: para quem freqüenta o templo, é o dia do culto ou da missa, sendo pacífico o reconhecimento pela doutrina jurídica do caráter confessional da instituição do repouso hebdomadário.
Com a gradativa laicização do direito, porém, esse caráter pio foi dando lugar a fundamentos de ordem sócio-cultural. E o domingo, além de ser o dia do Senhor, tornou-se o dia de vários senhores que são produtos de uma espécie bastante lucrativa de lazer mercantilizado: é o Domingão do Faustão, do Gugu, e de tantos outros Faustões e Gugus...
Bem, a mercantilização do lazer dominical é uma realidade que cresce assustadoramente. Mas nem por isso retira a importância do descanso nesse dia que também é o dia do futebol, do passeio com a família, do almoço na casa da sogra, da reunião na associação comunitária... Por isso, o respeito à natureza sócio-cultural do repouso semanal é o mínimo que se pode esperar de uma ordem jurídica democrática, sobretudo quando a lei é feita para um povo que se confessa de maioria cristã, que tem uma Carta Magna asseguradora do livre exercício dos cultos religiosos (16)e inclui o descanso hebdomadário remunerado entre os direitos sociais. Portanto, exigir que se trabalhe aos domingos, sem que isso decorra de necessidade imperiosa, é não somente pecado contra o Terceiro Mandamento, mas uma afronta aos princípios que instruem o nosso ordenamento jurídico. Justifica-se, igualmente, a excepcionalidade para a autorização do trabalho nesses dias.(17)
Muitos, porém, consideram que as restrições da lei são um entrave para o crescimento da economia, e fazem uso dos mais diversos argumentos em defesa da total liberação do trabalho nos dias consagrados ao repouso pela religião e pelas demais normas sócio-culturais:
- Ora, o trabalho aos domingos pode gerar um aumento na renda familiar do trabalhador! Serve até para combater o desemprego! Entoam algumas aves agourentas do fim do sagrado descanso semanal. Valerá a pena, porém, ao trabalhador e à sociedade o sacrifício do culto dominical ou a renúncia ao convívio familiar e comunitário por conta de alguns trocados a mais no bolso do empregado e da engorda da conta bancária dos donos do capital? E para combater o desemprego, não é mais coerente a defesa da redução da jornada de trabalho e a luta pela abolição das horas extras habituais?
- Mas a liberação indiscriminada da lei não implica a obrigação de trabalhar no dia de repouso. Só trabalha quem quer! Eis mais um argumento. No entanto, pense comigo: um homem trabalha sujeito a outro homem porque quer? Será que alguém, em perfeita sanidade mental, renuncia espontaneamente ao descanso a que tem direito para trabalhar para outrem, se lhe for permitida outra opção? Além disso, é bom lembrar que o direito ao repouso não pertence ao empregado nem ao empregador. Não pode ser vendido nem comprado, pois é direito social.

IV. Do lazer como direito social.
Por falar em direitos sociais, nossa Constituição coloca o lazer entre eles, lado a lado com a educação, saúde, trabalho, segurança, previdência social, proteção à infância e maternidade e assistência aos desamparados.(18)
À primeira vista, a equiparação do lazer a todos esses direitos sociais soa como um disparate constitucional. Mas só à primeira vista.
Vejamos.
De acordo com José Maria Guix, citado por Amauri Mascaro Nascimento, o lazer atende às seguintes necessidades do ser humano:
"a) necessidade de libertação, opondo-se à angústia e ao peso que acompanham as atividades não escolhidas livremente; b) necessidade de compensação, pois a vida atual é cheia de tensões, ruídos, agitação, impondo-se a necessidade do silêncio, da calma, do isolamento como meios destinados a contraposição das nefastas conseqüências da vida diária do trabalho; c) necessidade de afirmação, pois a maioria dos homens vive em estado endêmico de inferioridade, numa verdadeira humilhação acarretada pelo trabalho de oficinas, impondo-se um momento de afirmação de si mesmos, de auto-organização da atividade, possível quando dispõe de tempo livre para utilizar segundo os seus desejos; d) necessidade de recreação como meio de restauração biopsíquica; e) necessidade de dedicação social, pois o homem não é somente trabalhador, mas tem uma dimensão social maior, é membro de uma família, habitante de um município, membro de outras comunidades de natureza religiosa, esportiva, cultural, para as quais necessita de tempo livre; f) necessidade de desenvolvimento pessoal integral e equilibrado, como um das facetas decorrentes da sua própria condição de ser humano."(19)
Argumentos dessa ordem deixam evidente que o lazer não pode ser encarado como banalidade ou luxo permitido somente para quem pode, mas deve ser garantido também para quem apenas se sacode.
O senso comum, entretanto, fortemente influenciado pela exaltação do princípio da realidade em detrimento do princípio do prazer - quem quiser mais informações sobre essa dicotomia procure Freud, que ele explica -, e ainda pela lógica de racionalização do tempo instituída pelo capitalismo industrial, parece querer negar a importância social do lazer, não sendo à-toa a perplexidade de Paul Lafargue, genro de Marx que, em seu manifesto intitulado O direito à preguiça, estranhou que "os operários fossem tão tolos a ponto de lutarem pelo direito ao trabalho, em vez de lutarem diretamente, sem subterfúgios, pelo direito aos mesmos privilégios de lazer dos patrões."(20)
Mas como pode o trabalhador se sentir à vontade para lutar pelo direito ao lazer numa sociedade que lhe nega até o direito ao trabalho? Se o direito de aproveitar as delícias de um passeio à praia é tido por muitos como enxerimento de farofeiro, imagine por exemplo um operário pensar em fazer turismo.... Só se for no tal primeiro mundo...
V. E viva a preguiça do lado de baixo do Equador.
Pois é. Aqui em nosso mundo - que de acordo com a classificação vigente ainda não é um mundo de primeira - ainda há muito o que se fazer quanto à efetivação do sagrado direito à preguiça. Por isso urge que se lute por mudanças, sendo a primeira delas, talvez o pressuposto das demais, uma drástica mudança de mentalidade no trato dessa questão.
Primeiro que tudo, é salutar fazer ouvidos de mercador para as imprecações dos mercadores de mão-de-obra que insistirem em tachar de vagabundo quem se nega a contribuir para que o trabalho humano seja transformado em vil mercadoria, pois o artifício de imputar aos outros a pecha de vadio é tão antigo quão antigo é o preconceito: não foi o índio chamado de preguiçoso quando não se deixou reduzir à condição subumana de escravo? E o negro africano? Apesar de sustentar nos ombros o ócio de seus senhores, também não era chamado de indolente?
A propósito, tudo leva a crer que alguns homens que habitam o lado de cima da linha do Equador querem que nós, aqui embaixo, acreditemos que o nosso atraso é decorrência de inveterada indolência. E o mais grave é que muitos acreditam nisso e cuidam de espalhar essa falácia. Bem que precisam ouvir Josué de Castro, que nos explica ser a suposta preguiça muitas vezes a nós imputada, uma defesa do corpo de quem historicamente foi condenado a viver com fome debaixo de um sol escaldante, pois:
"Na insuficiência alimentar quantitativa e na forçada adaptação orgânica a esta situação permanente, residem as explicações da apregoada preguiça dos povos equatoriais. A preguiça no caso é providencial: é um meio de defesa de que a espécie dispõe para sobreviver, e funciona como o sinal de alarma numa caldeira que diminui a intensidade de suas combustões ou pára mesmo automaticamente, quando lhe falta o combustível."(21)
Também não se deve perder de vista que a locomotiva do crescimento econômico não tem o direito de transformar-se num rolo compressor da dignidade humana, nem de esmagar os direitos sociais conquistados historicamente a duras penas.
Do contrário, seremos forçados a espezinhar alguns princípios insculpidos na Declaração Universal dos Direitos do Homem,(22) na Declaração de Filadélfia (como é conhecido o documento que trata dos fins e objetivos da OIT), (23)na nossa Constituição Federal e, o que é muito mais grave, cometer a heresia de fazer escárnio da lição do nosso Criador.
Creio, portanto, que é preferível não ter medo de colocar o dedo em riste nas ventas dos heresiarcas que querem negociar com a dignidade alheia e pensam que o descanso, o lazer e o convívio familiar podem ser trocados por dinheiro. E para deixar bem clara essa posição, é recomendável seguir-se o exemplo de Macunaíma, o "herói sem nenhum caráter", mas cem por cento nacional, que desde moleque, quando "o incitavam a falar exclamava: - Ai que preguiça!...",(24) pois talvez o direito à preguiça seja ainda a nossa tábua de salvação.
Pense nisso.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
01 A BÍBLIA - TEB, Tradução Ecumênica São Paulo: Edições Loyola & Paulinas, 1996.
02 A BÍBLIA DE JERUSALÉM, São Paulo: Sociedade Bíblica Católica Internacional e Paulus, 1995
03 ANDRADE, Mário de. Macunaíma, S. Paulo: Círculo do Livro S.A.
04 CAMARGO, Luiz Octávio de Lima, O que é lazer. Coleção Primeiros Passos, vol. 2. São Paulo: Círculo do Livro S.A.
05 CASTRO, Josué de. Geografia da fome, 10 ed. Rio de Janeiro: Ed. Antares, 1987.
06 MORAES, Evaristo de, Apontamentos de direito operário, 3 ed. São Paulo: LTr, 1986.
07 NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Curso de direito do trabalho, 10 ed; São Paulo: Saraiva, 1992.
08 RAMOS, Alcida Rita, Sociedades Indígenas, São Paulo: Ed. Ática, 1986.
09 SÜSSEKIND, Arnaldo, MARANHÃO, Délio & VIANNA, Segadas, Instituições de Direito do Trabalho,14 ed., São Paulo: LTr, 1993.
10 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho - 2 ed. - S. Paulo: LTr, 1987.

10 novembro 2004

O dia em que o povo pegou em armas para não ser vacinado

Essa revolta já faz 100 anos, mas está muito atual. Sempre que o governo quer obrigar qualquer coisa, revoltas acontecem...


Miguel Conde - Globo OnlineRIO -
O maior levante popular da história do Rio de Janeiro começou há cem anos, em 10 de novembro de 1904, por um motivo que hoje parece intrigante: parte dos cariocas se recusava a ser vacinada contra a varíola, uma doença que de 1891 a 1900 matara 8.837 pessoas no Rio de Janeiro, e de 1901 a 1910 mataria mais 13.450. Mas a Revolta da Vacina, que obrigou o governo a decretar estado de calamidade pública na capital federal, não foi, como à primeira vista pode parecer, apenas um levante da ignorância contra os avanços da ciência moderna.
No dia 31 de outubro de 1904, o Congresso Federal, depois de debates intensos, aprovou a lei que instituía a vacina obrigatória contra a varíola na Capital Federal, o Rio de Janeiro. Entre os opositores da lei estavam liberais como Ruy Barbosa, para quem o Estado não tinha o direito de legislar sobre o corpo dos cidadãos, e positivistas que simplesmente não acreditavam na existência de seres microscópicos, muito menos que eles fossem responsáveis por doenças graves.
A cidade na época era um campo de obras. O prefeito Pereira Passos, indicado ao cargo por Rodrigues Alves, conduzia com mão de ferro uma reforma urbana que remodelava o Centro do Rio à imagem das metrópoles européias, e no processo deixava milhares de desabrigados (estima-se que em torno de 14 mil pessoas tenham ficado sem ter onde morar).
Entre a população, circulava o boato de que a vacina defendida pelo diretor geral da Saúde Pública, Oswaldo Cruz, tinha por objetivo matar os inquilinos dos cortiços dos bairros centrais e facilitar as remoções. A indignação popular era incitada por grupos monarquistas e republicanos radicais que planejavam um golpe de Estado contra Rodrigues Alves.
Cinco dias após a aprovação da lei, é criada a Liga Contra a Vacinação Obrigatória. O medo de morrer por causa da vacina não é o único motivo que inflama o povo. Os agentes de saúde teimam em inocular as mulheres na perna, o que é considerado um atentado sério ao pudor. O decreto que regulamenta a vacinação obrigatória vaza para a imprensa e é publicado num jornal em 9 de novembro. No dia seguinte, 10 de novembro de 1904, a tensão finalmente explode.
A revolta começa na Saúde e se estende a outros bairros da cidade. O povo arranca o calçamento, quebra lampiões e vira bondes. Acuadas, as forças policiais são obrigadas a recuar. O governo declara estado de calamidade pública e as Forças Armadas intervêm, mas não conseguem debelar o conflito. No dia 15, 300 cadetes da Escola Militar, ligados aos militares que controlaram a república em seus primeiros anos, marcham em direção ao Palácio do Catete para derrubar o presidente. Lá, entram em conflito com tropas governistas. Os golpistas se rendem depois que a Marinha bombardeia a Escola Militar, no dia seguinte.
No dia 16, seis dias após o início da revolta, a lei da vacina obrigatória é revogada. A revolta se dispersa e centenas de pessoas são presas e mandadas para presídios no Acre. O conservador e governista Jornal do Commercio, citado pelo historiador Nicolau Sevcenko em seu livro "A Revolta da Vacina", narra assim um dos dias de conflito:
O saldo do confronto é impressionante mesmo para os padrões de violência do Rio de Janeiro atual: 30 mortos e 110 feridos. A Revolta da Vacina, que completa cem anos em 2004, é o maior levante popular da história do Rio de Janeiro. Surgiu de maneira espontânea, embora a imprensa incitasse a resistência à vacinação, e não chegou a articular-se em torno dos grupos políticos que desejavam derrubar o governo Rodrigues Alves.
Para o historiador Carlos Fidélis, coordenador geral do centenário da revolta no Museu da Vida, na Fiocruz, o problema na implantação da vacina foi de comunicação: -
Imagina se criam hoje uma vacina contra a AIDS. Aí, os jornais começam a relatar casos de pessoas que contraíram o vírus da AIDS por causa da vacina e em seguida o governo institui a vacinação obrigatória. Foi isso que aconteceu com a varíola. Em termos de explicação, houve um erro enorme. E num caldo cultural complicado, em que havia moradores e donos de cortiços descontentes com as demolições, especuladores lucrando com as mudanças e monarquistas querendo voltar ao poder.
Carlos Fidélis diz que, apesar de a obrigatoriedade da vacina ter sido revogada, pouco depois o povo que resistia em barricadas corria aos postos de saúde pedindo para ser vacinado. Mas ele lembra que até hoje, apesar da adesão maciça da população às campanhas de vacinação, há quem continue desconfiado:
- Pouco depois da revogação da lei houve uma grande epidemia de varíola e a população pedia para ser vacinada. Essas resistências às medidas de combate a epidemias sempre aparecem. Anos mais tarde, na época da Gripe Espanhola, circularam boatos de que o chá servido pelo governo estava envenenado. E até hoje tem idoso que não toma vacina contra a gripe porque acha que o governo quer matá-los para resolver o problema da previdência.

07 novembro 2004

Longevidade

O jornalista visita um asilo para fazer uma matéria sobre longevidade e entrevista os velhinhos.
— Quantos anos o senhor tem? — pergunta para um deles, acabadinho o coitado.
— Tenho oitenta e sete!
— E a que o senhor atribui a sua longevidade?
— Ah, meu filho! Eu sempre fui uma pessoa muito regrada, sempre acordei no mesmo horário, comi no mesmo horário e sempre fiz muita ginástica.Então ele vira-se para um outro, todo arcado.
— E o senhor?
— Ah! Eu estou com noventa e três! Nunca fumei, nunca bebi, nunca comi carne vermelha, só como pão integral e fiz votos de castidade.Então ele virou-se para o mais velho de todos.
— E o senhor, vovô?
— Ah! Eu nunca liguei para essas coisas de comida, sempre comi muito bem, adoro carne de porco, tomava um litro de cachaça por dia, fumei a minha vida toda e passava quase todas as noites na farra. Só chegava em casa quando o dia estava amanhecendo.
- Que maravilha! — exclama o repórter.
— E o senhor tem quantos anos?
— Trinta e quatro!

03 novembro 2004

IGREJA REFORMADA SEMPRE SE REFORMANDO

Ainda sobre a Reforma, leia esse estudo do Pr. Hernandes

Autor: Rev. Hernandes Dias Lopes
Publicada em: 27/08/2004
A Reforma Protestante do Século XVI não foi uma inovação, mas uma volta às origens. A igreja havia se desviado da verdade e perdido o cristianismo puro e simples. Os dogmas papais haviam substituído a infalível Palavra de Deus. As heresias tomaram o lugar da verdade e a apostasia tomou conta da igreja. A Reforma, então, foi um movimento de retorno à Palavra de Deus e um resgate do evangelho pregado pelos apóstolos. Depois do Pentecoste não houve nenhum fato mais marcante na história da igreja do que a Reforma.
Ela trouxe cinco ênfases:
1. Só a Escritura – A Bíblia não é apenas uma fonte da revelação de Deus ao homem, mas a única regra de fé e prática. As tradições humanas, os dogmas da igreja, as decisões dos concílios, bem como todo pensamento humano precisam passar pelo crivo da Palavra de Deus. Ela é a única autoridade da vontade revelada de Deus para o homem. Não são as experiências que julgam a bíblia, mas a Bíblia que julga as experiências. A igreja não está acima da Palavra, mas é governada por ela.
2. Só a Fé – A justificação é somente pela fé, independente das obras da lei. A base da salvação não é o esforço humano, mas o sacrifício substitutivo de Cristo na cruz. Recebemos a salvação oferecida por Deus pela fé e não como resultado das nossas obras. As obras são conseqüência da salvação e não a sua causa.
3. Só a Graça – A graça é um dom imerecido de Deus. Fomos escolhidos por Deus para a salvação não por causa dos nossos méritos, obras ou religiosidade, visto que éramos inimigos de Deus, estávamos cativos do diabo, do mundo e da carne. Estávamos cegos, perdidos e mortos nos nossos delitos e pecados. Mas, a despeito da nossa terrível condição, Deus nos amou e graciosamente nos salvou.
4. Só Cristo – A Reforma restabeleceu a verdade incontroversa de que existe um único mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo. Ele é o único Salvador e Senhor e não há salvação em nenhum outro nome. Jesus é o caminho para Deus. Ele é a porta do céu. Ele é o pão da vida, a fonte da água viva. O acesso a Deus não é por meio de Maria ou Pedro, nem mesmo por meio dos santos, mas, somente por meio de Jesus.
5. Só a Deus toda a glória – Deus não reparte a sua glória com ninguém. Ele e não o homem é o centro e a medida de todas as coisas. Dele, por meio dele e para ele são todas as coisas. Não é Deus quem vive para a glória do homem, mas é o homem que deve viver para a glória de Deus. Deus e não o homem é o centro do universo. Mas a Reforma continua. A igreja reformada sempre deve se reformar. Em que sentido? Sempre que a igreja se desvia da verdade, ela precisa parar e confrontar sua teologia e sua vida à luz das Escrituras e voltar ao seu primeiro amor. Muitas vezes, ao longo da história, a igreja desviou-se das antigas veredas. Após a Reforma, no afã de defender a ortodoxia, a igreja tornou-se árida. Ortodoxia sem piedade produz racionalismo. A reação à frieza espiritual foi o Pietismo, que partiu para o outro extremo: buscou a piedade sem a ortodoxia. Piedade sem ortodoxia produz misticismo. Hoje, estamos precisando de uma nova reforma. Algumas igrejas estão descambando para o liberalismo teológico negando os postulados essenciais da fé. Outras, estão se desviando para o misticismo sincrético, importando novidades estranhas à Palavra de Deus, abraçando um outro evangelho e não o evangelho da graça. Há aquelas igrejas que caíram na sedução do pragmatismo, que estão buscando sucesso e resultado a qualquer custo. Trocaram a mensagem da cruz pela pregação da prosperidade e da cura. Estão mais fascinadas pela riqueza do que pela glória de Deus. Há ainda outras igrejas, que, embora, fiéis na doutrina estão vivendo sem piedade. Possuem uma ortodoxia morta. A crise na teologia desemboca na crise da ética. A igreja evangélica cresce em número, mas não em santidade. As pessoas correm aos borbotões para os templos evangélicos, mas suas vidas não são efetivamente transformadas. Na mesma medida em que a igreja evangélica cresce em nossa nação, cresce também a corrupção. Deixamos de ser sal e luz. Em vez de a igreja abalar o mundo, é o mundo que está abalando a igreja. Em vez de a igreja entrar no mundo para resgatar os que perecem, é o mundo que está entrando na igreja e influenciando os crentes.
Ó que Deus tenha misericórdia de nós. Estamos precisando, e urgente, de uma nova reforma!

01 novembro 2004

Castelo Forte

Castelo Forte é nosso Deus, Espada e bom escudo;
Com Seu poder defende os Seus Em todo transe agudo.
Com fúria pertinaz persegue Satanás,
Combate nossa fé, astuto e forte ele é:Igual não há na terra.
A nossa força nada faz Num mundo tão perdido,
Mas nosso Deus socorro traz, Por Cristo, o escolhido.
Conosco está Jesus, O que venceu na cruz,
Senhor dos altos céus;E, sendo o próprio Deus,Triunfa na batalha.
Se nos quisessem devorar Demônios não contados,
Não nos podiam assustar, Nem somos derrotados.
O príncipe do mal, com rosto infernal,
Já condenado está; vencido cairá Por uma só palavra.
Que Deus a luta vencerá Sabemos com certeza.
E nada nos assustará, Com Cristo por defesa.
Se temos de perder os filhos, bens, mulher,
Embora a vida vá, por nós Jesus está E nos dará o Seu Reino.

Lá por volta do ano 1500 da nossa era, estava triunfante o movimento da Reforma Religiosa na Europa.
Iniciado por Martinho Lutero e coadjuvado por Melanchton (um leigo-teólogo), Calvino, Zwinglio, Huss, Farel e outros, tomou logo conta de todos os países; mas no ano de 1523, em Bruxelas, dois jovens, cujo único crime fora a sua profissão de fé na nova doutrina, foram queimados.
Em honra a esses dois mártires, Lutero escreveu e compôs a música do seu primeiro hino: Castelo forte é nosso Deus, o qual é uma paráfrase do Salmo 46. Martinho Lutero(1483-1546) é conhecido como o Apóstolo da Reforma.
Foi também o pai do canto congregacional, pois antes disso a congregação não tinha o costume de cantar hinos. Os poucos hinos que havia eram cantados em latim, somente pelos oficiais da igreja. Foi ele que introduziu o cântico por toda a congregação!
Mas, o hino em foco foi considerado como a "Marselhesa da Reforma", pois todos os cristãos da Reforma cantavam-no com o mesmo entusiasmo dos patriotas da França. De fato, sendo a letra e a música de Lutero, este cântico espalhou-se por toda a Terra e tornou-se o hino oficial da Alemanha Protestante.
Era cantado diariamente por Lutero e por seus companheiros. Até os inimigos da Reforma diziam: "O povo inteiro está cantando uma nova doutrina".
Assim, este hino cooperou muito no desenvolvimento da Igreja cristã naqueles dias. Foi tão grande a repercussão deste hino que homens ilustres, artistas e músicos de fama usaram-no nos seus temas: o exército de Gustavo Adolfo cantou-o antes da Batalha de Leipzig, em Setembro de 1631; Meyerbeer usou-o como tema de sua ópera de fundo religioso, "Os Huguenotes"; Mendelsohn usou-o na sua "Sinfonia da Reforma"; Wagner utilizou-o em "Kaiser-Marsch" e J. S. Bach também o usou numa de suas cantatas sacras.
E hoje, faz parte de todos os hinários sacros da Igreja Cristã, levando o número 328 em "Hinos e Cânticos" - 16ª edição.
Ele nunca morrerá, mas viverá para sempre!
(desconheço o autor)